quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Monólogo da mulher adúltera


Por José Barbosa Júnior

Desde pequena eu sabia o que era certo.

Meu pai, um dos principais da sinagoga, fazia questão de nos ensinar toda a Torá desde pequeninos. Na verdade, ele ensinava somente aos meus irmãos, mas eu me aventurava em ouvir os ensinos, escondida atrás da porta. Achava fascinante, e ao mesmo tempo pesado... eram tantas leis, tantos mandamentos...

Será que algum homem seria capaz de cumpri-los todos? Sinceramente, achava impossível... e me calava.

A esperança brilhava nos meus olhos quando o ouvia falando do tal messias, o que viria para salvar o seu povo. Como deveria ser? Será que o tal messias me olharia um dia nos olhos? Ou será que estava condenada a viver minha vida toda atrás das portas... escondida dos homens?

O tempo passou. Cresci, e ainda em minha adolescência fui obrigada a casar com um homem a quem não amava. Era o costume, e assim foi... Eu era cuidada por ele como um objeto precioso, havia respeito, mas não amor, amor que eu tanto procurava. Os amigos de meu pai me consideravam uma jovem muito bonita e faziam questão de externarem suas opiniões. Eu gostava. Não ouvia tais elogios de meu marido.

Fui me acostumando àqueles elogios. Na verdade alguns eram até ousados demais, e me deixavam sem graça, pois percebia suas intenções, podres intenções. Eram homens casados também, oficiais na sinagoga, alguns anciãos, outros mais jovens, mas queriam que eu os servisse, nem que fosse por uma noite apenas.

Aquela situação me causava muito desconforto. Sentia raiva,e até mesmo nojo daqueles homens... exceto um, que me chamava a atenção. Era casado também, mas parecia me querer bem... fui seduzida!

Nunca imaginara trair meu marido, mas naquela madrugada, antes do nascer do sol me entreguei àquele homem. Nem de longe imaginava o que ainda estava por acontecer.

Os outros homens, amigos do meu pai, haviam percebido o meu envolvimento, e seguiram-nos até nos pegarem em pleno ato de adultério. Meu dia estava apenas começando. Quanta vergonha!!!

Pegaram-me, nua, e carregaram-me para o Templo, onde um homem de Nazaré ensinava naquela manhã que nascia. Havia uma multidão para ouvi-lo. A vergonha era maior ainda. Muitos me conheciam... muitos conheciam meu pai... muitos conheciam meu marido. Tive medo!

Fui jogada no meio da multidão, que se acotovelava para ouvir o tal profeta Galileu. Achei estranho perceber que estava só. Apesar de eu e meu então amante sermos pegos juntos no ato de adultério, apenas eu fui levada como adúltera... ele não!

Olhei então e vi aqueles homens que antes me assediavam, perguntando àquele Rabi: “mestre, esta mulher foi surpreendida em adultério. Na lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. Tu, porém, o que dizes?”

Eu olhava aquela cena e meu nojo aumentava. Os homens que queriam apedrejar-me eram os mesmos que viviam se insinuando para mim. Quanta hipocrisia. Quanto ódio tive da religião!

O tal Rabi galileu permanecia calado.

De repente, inclinou-se e começou a escrever na terra com seu próprio dedo. Eu não acreditava no que meus olhos começavam a ler.

Aquele homem começou escrevendo o meu nome, e abaixo do meu nome começou a enumerar os meus pecados. TODOS os meus pecados!

Eu queria a morte naquele momento. Que as pedras viessem logo. Não suportaria tanta vergonha.

Num ímpeto, o Rabi levantou-se e disse àqueles homens, meus censores, prontos a colocar sob um monturo de pedras mais uma adúltera: “quem dentre vós que não tem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!” ... E voltou a escrever meus erros na terra.

Algo muito estranho começou a acontecer: a começar dos mais velhos, um por um, forma largando as pedras em seus pés, virando as costas, e indo embora.

Ficamos só eu e o tal profeta. Eu tremia!

Ele calmamente levantou-se e veio em minhas direção. Percebi algo no seu olhar. Era diferente. Ele não me desejava. Vi amor no seu olhar. Nunca antes alguém havia me olhado assim. Enquanto caminhava em minhas direção, não tive como não perceber que suas pegadas firmes e constantes, pisavam e apagavam a minha enorme lista de pecados. Lembrei-me de um texto que sempre ouvia meu pai ensinar aos meus irmãos: “pelas suas pisaduras fomos sarados”.

Seria esse Rabi, diante de mim, o messias esperado? Bem que eu já havia ouvido rumores a respeito disso.

Ele aproximou-se de mim, e tirando a sua capa, cobriu a minha nudez. Perguntou-me com uma voz inconfundivelmente firme e amorosa: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?”

Minha voz trêmula conseguiu balbuciar: “Ninguém, Senhor!”

Ele então, segurando em minhas mãos e erguendo-me do chão, olhou nos meus olhos e disse: “Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais.”

Meus olhos marejados ainda puderam ver aquele homem se afastando e voltando a ensinar o povo. Eu estava verdadeiramente diante do messias!

Olhei para o chão e lá estavam todos os meus pecados apagados pela sola dos pés daquele rabi. Só uma coisa não havia sido pisado: o meu nome! Ele estava intacto, escrito pelas mãos do próprio salvador. Lembrei-me então de um outro texto sempre recitado pelo meu pai, acerca do messias: “Ele não esmagará a cana quebrada, nem apagará o pavio que ainda fumega...”

Fui para casa... mas sabia que daquele dia em diante nunca mais seria a mesma. Nunca esquecerei de seu olhar, sua voz, e seu amor: “Nem eu te condeno!”

Prossigo em meu caminho, às vezes tropeçando, mas sempre com sua fala graciosa ecoando em mim: “Vai, e de agora em diante... não peques mais!”



[Quero deixar bem claro que este é um exercício de FICÇÃO. É uma suposição de como o fato pode ter acontecido. Não é nenhuma "revelação" extrabíblica, mas apenas as suposições e a fantasia de um simples escritor]


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Fonte: Crer e Pensar, via Púlpito Cristão

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